A exclusividade como elemento do contrato empresarial

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DATA DE PUBLICAÇÃO

2000

RESUMO

Destinou-se este estudo a investigar um dos fenômenos resultantes das transformações econômicas e sociais que atinge as relações negociais. Relações estas que, aduza-se deixaram de ser locais, pontuais, para ser globais. As relações jurídicas que se instrumentalizam em contratos são dotadas de tanta dinâmica que poderíamos nos atrever a afirmar que ninguém dá um passo sequer sem se expor a constituir, extinguir ou modificar direitos; sem tropeçar numa rede de interesses e garantias de um sistema criado pela própria sociedade. É de fundamental importância conhecer e discutir o processo que está em constante evolução, submetido a valores e princípios jurídicos e econômicos, chamado contrato. Este é o papel a ser desempenhado pelo presente trabalho, que se iniciou com a abordagem dos princípios que regulam a constituição do vínculo contratual e sua integração com outros princípios com os quais coexistem, como da boa-fé e da igualdade entre tantos outros, já que em um sistema harmônico, os princípios todos se integram. Atendidos os pressupostos de validade, aos quais Maria Helena Diniz chama de "elementos essenciais", passa o contrato a ser obrigatório entre as partes. A vontade, seja a declarada seja a interna dos contratantes, a ter valor de obrigatoriedade de forma absoluta. Aliás, melhor seria dizer quase absoluta já que eventos estranhos à vontade pactuada das partes podem intervir nesta relação. Nesse sentido se desenvolve o presente estudo, voltado a demonstrar que um dos negócios jurídicos mais importantes realizados entre pessoas, passou e ainda está passando por um processo de evolução, a fim de atender aos anseios da sociedade atual. Ao contrário do que poeticamente chegou a ser declarado por Grant Gilmore1, o contrato não morreu e vem acompanhando a realidade social. 1 " Il contratto è morto, ma chissà se il vento di primavera non possa inopinatamente portarne laresurrezione ? E a realidade social, com a introdução do sistema de produção e de distribuição em massa, impôs uma visão social às relações contratuais, o que importou em atribuir uma função mais social ao Direito e ao Estado. A lei é destacada, então, para dar legitimidade ao vínculo contratual e para protegê-lo. Neste cenário intervencionista situa-se a teoria da imprevisão, instrumentalizada na cláusula "rebus sic stantibus", abreviação da fórmula "contractus qui habent tractum successivum et dependentiam de futuro rebus sic stantibus int elliguntur" cuja tradução é a seguinte : nos contratos de trato sucessivo ou a termo, o vínculo obrigatório entende-se subordinado à continuação daquele estado de fato vigente ao tempo da estipulação. O efeito da cláusula é a revisão do contrato através do ajuste nas condições contratadas. E, logicamente, a revisão deve ser submetida ao orgão que tem o poder jurisdicional. A idéia, segundo os doutrinadores que sustentam sua aplicabilidade, não é a de tornar um contrato validamente celebrado, sujeito a constantes interferências do Poder Judiciário, já que se assim fosse, estaria prejudicada a segurança jurídica que a relação negocial deve espelhar. Contudo, aceitar que uma prestação tornada excessivamente desproporcional para um dos contratantes em função de eventos imprevisíveis, capazes de modificar consideravelmente a situação predominante na ocasião da celebração, seja exigida como se justa fosse, não se mostra em conformidade com o princípio da comutatividade, ou equilíbrio das prestações que é um das espécies fundamentais de justiça. E considerando que o equilíbrio contratual é aquele convencionado, aquele que satisfaz o interesse das partes antes e durante a celebração do ajuste, sem contrariar a função social do contrato, passamos a direcionar o estudo ao enfoque de uma técnica de organização do mercado cuja finalidade é a racionalização e escoamento de produção, exploração e proteção da marca etc, capaz de promover a integração econômica, consistente na inserção de um elemento ao contrato que, muitas vezes, compõe a essência do próprio ajuste : a exclusividade. E quando falamos em contrato, estamos querendo nos referir a alavanca da livre iniciativa. Aliás, a exclusividade não se exaure em uma cláusula. Ela é apontada como um fenômeno de caráter econômico, inserido num universo de operações empresariais. Justamente o impacto deste fenômeno no mercado, como instrumento do atual estágio capitalista, discutido sob o prisma da concorrência, constitui objeto de estudo a partir do Capítulo IV. A exclusividade, apontada por alguns doutrinadores como fator de conteúdo monopolístico, implicador da limitação da concorrência , também é vista como forma de eficiência do serviço de distribuição. Apontamos doutrina sustentando que deve-se entender o caráter monopolístico no sentido de ser a empresa concessionária a única ou exclusiva distribuidora ou revendedora de certo produto manufaturado ou importado, entre algumas outras existentes. A cláusula de exclusividade é utilizada tanto por empresas industriais como por empresas comerciais, inclusive importadoras, sendo que, um dos pontos relevantes da questão diz respeito à preservação da autonomia patrimonial e jurídica de cada empresa envolvida pelo pacto. Estabelecem-se recíprocas obrigações, tanto positivas como negativas, criando-se vínculos de responsabilidade contratual e extracontratual, com o objetivo de adequar o sistema econômico, disciplinar as atividades de produção e de comercialização, propiciar a abertura de novos mercados, atendendo os interesses do consumidor. Esta reciprocidade nada mais representa do que a aplicação da proposição da justiça concreta. Preocupou-nos, nesta linha, retratar as transformações econômicas e sociais impostas ao mercado, atingido pelo fenômeno da exclusividade, e as lições enunciadas por juristas europeus sobre o tema, que na Europa tem destacada importância devido a defesa que a livre concorrência desfruta nos países europeus. Existem entendimentos da Comission of the European Communities expressos no sentido de que acordos de exclusividade que não impliquem em restrições anticompetitivas, tais como fixação unilateral de preços de revenda e total ausência de benefícios ao consumidor, são geradores de eficiência econômica da corrente de distribuição e produção. Mostrou-se ainda importante, na nossa visão, analisar a força obrigatória do pacto de exclusividade entre as partes contratantes e também na relação destas com terceiros. Nesta esteira dedicou-se o ítem 4 do Capítulo IV, espaço no qual discorreu-se que o contrato, como mecanismo da iniciativa privada, deve ser respeitado pelas partes, observados os princípios da autonomia da vontade, da comutatividade e da boa-fé. Com relação a terceiros que introduzem mercadorias para venda ou fornecem para território exclusivo, a conduta caracteriza concorrência desleal, segundo a posição de alguns juristas. Há decisões do Poder Judiciário, apreciando questões nesse sentido, se posicionando pela caracterização da concorrência desleal, o ato de distribuidora de combustível colocar no mercado consumidor o seu produto através da estrutura de mercado e marca de outra. Tal postura, além de implicar em concorrência desleal, ainda serve para confundir e enganar o consumidor que acredita estar comprando produto de uma marca quando está adquirindo produto de marca não identificada. Já o ítem 5 do Capítulo IV foi destinado a ilustrar alguns casos concretos envolvendo a exclusividade, que foram objeto de deliberação do orgão criado para reprimir o abuso do poder econômico, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica - e do Poder Judiciário. Destacamos alguns pareceres proferidos por Conselheiros do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE - cuja análise econômica dos efeitos da exclusividade é feita sob o enfoque da razoabilidade, e não da conduta "per se". Sob o enfoque da razoabilidade ou regra da razão se analisam critérios capazes de indicar se a exclusividade representa ou não um interesse legítimo do concedente e se prejudica ou não o mercado consumidor. Muitas posições do Conselho Administrativo de Defesa Econômica recomendam que a análise da conduta deva ser orientada sob a ótica objetiva, no contexto do mercado. Esta mesma linha é, por vezes, seguida pelo Poder Judiciário que chegou a reconhecer a cláusula de exclusividade como imposição da natureza do negócio que estava sendo entabulado. Conforme se pode verificar, portanto, a exclusividade, em situações extremas, pode servir para disfarçar uma conduta tendente à dominação do mercado, mas também pode decorrer, em muitos casos, da própria relação existente entre as partes contratantes, a ponto de tornar absolutamente necessária a vinculação entre a utilização da marca que identifica produtos e a venda em caráter de exclusividade desses produtos. Enfim, as questões focalizadas foram suficientes para desafiar nossa reflexão quanto a função social e econômica da exclusividade, objetivo que por nós foi perseguido durante as pesquisas, consubstanciado nesta dissertação

ASSUNTO(S)

dirigismo contratual autonomia da vontade direito comercial - brasil direito comercial contratos administrativos obrigatoriedade dos contratos

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