Luciana Rodrigues da Cunha
2012Numerosos estudos em pacientes com hepatite C crônica demonstram redução significativa da qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) em comparação a controles saudáveis, independentemente do estágio da doença hepática. O estado de humor, a gravidade da doença e o estilo de vida interferem na QVRS de indivíduos que apresentem doença crônica. No caso da infecção pelo VHC, as interrelações entre estes fatores biopsicossociais não estão totalmente esclarecidas. Objetivos: O presente estudo teve como objetivo principal (1) avaliar a QVRS em pacientes com hepatite C crônica atendidos no AHEV-IAG-HC-UFMG. Ainda, foram objetivos desse trabalho: (2) avaliar a influência de fatores sóciodemográficos, características clínicas, comorbidades psiquiátricas e características virais na QVRS e (3) analisar o impacto do transtorno depressivo maior (TDM) e dos transtornos de ansiedade na QVRS dos indivíduos arrolados no estudo, de acordo com a gravidade dos sintomas depressivos e ansiosos. Pacientes e Métodos: Pacientes com diagnóstico de hepatite C crônica (n=125 pacientes VHC-RNA positivos) e que concordaram em assinar o termo de consentimento livre e esclarecido foram prospectivamente incluídos. Todos os pacientes foram submetidos à avaliação psiquiátrica, por meio da entrevista estruturada Mini International Neuropsychiatric Interview v.5.0.0.(M.I.N.I. Plus) e das escalas Hamilton Depression Rating Scale (HDRS) e Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS). A avaliação da qualidade de vida foi feita pelo Liver Disease Quality of Life Questionnaire (LDQOL 1.0), questionário híbrido, formado pelo instrumento genérico Short Form 36 (SF-36) acrescido de 12 domínios específicos para avaliação da QVRS em pacientes com doença hepática. Ainda, ao serem incluídos no estudo, os pacientes responderam a um questionário, contendo informações sobre dados pessoais, sóciodemográficos e clínicos. O protocolo foi aprovado pelo Conselho de Ética da UFMG. Os dados foram analisados pelo SPSS 17.0. Foram criados vários modelos de regressão linear para identificar fatores (variáveis independentes) associados à redução dos escores de qualidade de vida (variável dependente), pois foi verificada sobreposição de diversos cofatores, sendo então criado um modelo para cada um dos 12 domínios do LDQOL. As variáveis independentes foram agrupadas em variáveis sócio-demográficas (idade, sexo, estado civil, renda familiar e grau de escolaridade), estilo de vida (tabagismo atual), características clínicas [cirrose hepática, índice de massa corporal (IMC), hipertensão arterial sistêmica (HAS) e diabetes mellitus (DM)]; comorbidades psiquiátricas (TDM atual, transtornos de ansiedade, abuso ou dependência de álcool atual e/ou passado, abuso ou dependênica de drogas ilícitas), características virais (genótipo e carga viral) e dados bioquímicos [alanina aminotransferase (ALT)]. Variáveis com valor de p <0,20 na análise univariada foram selecionadas para a análise multivariada. Em cada agrupamento de variáveis, quando mais de uma variável tinha valor de p <0,20, modelos de regressão linear hierárquicos foram criados para seleção daquelas verdadeiramente associadas à redução dos escores em cada domínio. No modelo final de regressão linear multivariada foram incluídas somente as variáveis de cada agrupamento com valor de p<0,05. O R² (coeficiente de determinação) ajustado e o teste ANOVA foram usados para avaliar a adequação dos modelos. Resultados: Características demográficas e clínicas dos pacientes estudados foram: média de idade 53,2 ± 11,6 anos; 57,6%, sexo feminino; 16,8%, cirrose compensada; 28,8%, TDM atual e 23,2%, transtornos de ansiedade. TDM foi associado a menores escores do LDQOL em 10 domínios (p<0,001), excluindo função sexual (p=0,15), e problema sexual (p=0,43), independentemente do grau de doença hepática. Transtornos de ansiedade foram associados com redução em três domínios do LDQOL: preocupação com a doença hepática (p=0,003), estigma da doença hepática (p=0,007) e problema sexual (p=0,04). Menores escores no domínio isolamento foram verificados em pacientes com abuso/dependência de álcool atual ou prévia (p=0,009). Cirrose e DM foram associados a menores escores do LDQOL em dois domínios: função sexual (p=0,02) e problema sexual (p=0,05), respectivamente. Níveis maiores de educação foram associados a menores escores em três dimensões do LDQOL: preocupação com a doença (p=0,02), esperança (p=0,02) e estigma da doença hepática (p=0,04). Ainda, houve correlação negativa entre o grau do TDM e dos transtornos de ansiedade e QVRS. Conclusões: Vários fatores, além da própria doença hepática, interferem na qualidade de vida de pacientes com hepatite C crônica. A avaliação clínica ampla torna-se relevante no acompanhamento desses indivíduos, especialmente os aspectos relacionados à saúde psíquica devem ser investigados de forma criteriosa. A adoção de um modelo biopsicossocial de cuidados com objetivo de promover melhora da QVRS entre os pacientes com hepatite C torna-se meta a ser aprimorada pela equipe interdisciplinar e multiprofissional do AHEV-IAG-HC-UFMG.