Danielle de Araújo Moreira
2014O presente estudo teve como objetivo compreender a visão de profissionais, usuários e gestores sobre o Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde, no município de Sarzedo, localizado na região metropolitana de Belo Horizonte-MG. Constituíram o estudo sete enfermeiros, onze técnicos de enfermagem, quatro médicos e dezessete usuários, perfazendo 39 participantes. Os participantes foram divididos em dois grupos: os primários enfermeiros; e os secundários técnicos de enfermagem, médicos e usuários. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG (Parecer: 535.523) e pela secretaria de saúde do município de Sarzedo por meio de carta de anuência. Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, na qual a coleta de dados foi realizada no período de março a maio de 2014, sendo utilizada a entrevista com roteiro semiestruturado e observação, após a aquiescência dos sujeitos e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Para a análise dos dados, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin (2009). Os resultados foram organizados em três categorias, a saber: Compreendendo a utilização e implantação do Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde; Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde e nos Serviços de urgência pra urgência, é perfeito, mas na Atenção Básica não rola; Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde na visão do ser cuidado. A análise dos dados permitiu identificar desafios e potencialidades que permeiam a utilização do Protocolo de Manchester na APS. Os participantes salientaram a importância de se instituir critérios para a classificação de risco de usuários que buscam atendimento no primeiro nível de assistência, no entanto, criticaram e consideraram insuficiente utilizar um sistema de triagem desenvolvido para os serviços de urgência e emergência. Na visão dos profissionais, é inviável adotar uma conduta de classificação que não pode ser efetivada, afinal, diferente dos serviços para os quais o Protocolo de Manchester foi criado, os profissionais da APS lidam com horário de trabalho limite, que não condiz com o tempo de espera instituído para a triagem. Além disso, um aspecto importante destacado pelos enfermeiros é que a implementação da classificação de risco pelo Protocolo de Manchester afeta ações preconizadas para o primeiro nível de atenção. Os enfermeiros afirmam que a implantação do Protocolo de Manchester afetou o vínculo com o paciente, a escuta qualificada e a resolução de demandas que ultrapassam as questões diagnósticas e os discriminadores elencados pelo TRIUS. Apesar de entenderem que a classificação de risco rompe com um sistema de filas e atendimento por ordem de chegada, os profissionais sinalizam também que o cerne da APS, pautado no acolhimento, está sendo negligenciado. As potencialidades citadas pelos participantes consistiram no respaldo propiciado pelo PM, por conter documentos eletrônicos que comprovam as condutas realizadas; na possibilidade de classificar os usuários de acordo com a condição clínica, para estabelecer prioridades e organizar o atendimento; e no rompimento com o atendimento por ordem de chegada/filas. No que tange a visão dos usuários, estes declararam que a triagem consiste em uma ferramenta útil para priorizar casos mais graves que demandam atendimento com mais urgência, no entanto, à demora em receber atendimento e o agendamento de consultas foram críticas que emergiram dos depoimentos. O estudo possibilitou a compreensão de que a utilização do Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde acarreta lacunas que precisam ser rompidas para garantir a continuidade dos princípios que regem a prática profissional neste nível de atenção. Os enfermeiros que atuam na APS devem estar atentos para as necessidades de cada individuo e compreenderem que o adoecer pode ser expresso e entendido de maneiras distintas entre os usuários. O importante é que a classificação de risco seja pautada no acolhimento, na escuta, no estar com o outro, sendo um momento de encontro, de vínculo e de cuidado.